terça-feira, 3 de abril de 2012

O ENEM e a Química

Olá, leitores da Casa da Química.

Venho trazer aqui algumas discussões que me angustiam e angustiam meus alunos durante algumas aulas: o novo ENEM.

Uma das propostas do ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio - é uma mudança na forma de abordar os conteúdos científicos na sala de aula, propociando uma melhor contrução dos significados. Isso significa que não basta o aluno saber o conceito pelo conceito (saber fórmulas matemáticas ou definições). O aluno ele deve saber aplicar este conhecimento dentro de um contexto. Por exemplo: além do aluno saber as propriedades das substâncias, deverá ter noção do impacto ambiental que algumas dessas substâncias causam ao ser descartadas de forma indevida no meio ambiente. Ou, saber explicar o que significa dizer que uma gasolina é aditivida a partir do conceito de densidade. Dessa forma, a aprendizagem fica mais ampla, pois o aluno deve saber aplicar esse conceito no  mundo em que vive. Teoricamente, é isso que temos.

Qual seria, então, o problema? se olharmos a alguns anos atrás, quando a única exigência para entrar na Universidade era uma prova elaborada pela própria instituição (ou por outras empresas terceirizadas), o aluno tinha que memorizar fórmulas, definições, aprender "bizus" e dicas para responder o maior número de questões em um espaço mínimo de tempo. Ou seja, tudo era respondido mecanicamente e o aluno, depois de alguns dias, esquecia tudo e o vestibular não servia para avaliar NADA. Diante desse contexto, os famosos "cursinhos pré-vestibulares", que eu mesmo já dei aula, condicionava/treinava/programava o aluno a responder várias questões de provas de anos interiores. Não era necessário aprender o conceito, mas sim saber qual o "bizu" necessário pra responder a questão.

Aí, eu pergunto a você, leitor, seja professor do ensino médio, fundamental, técnico, superior ou aluno de um desses níveis de ensino: esse cenário descrito acima mudou com a implantação do ENEM?

Eu diria que não... uma das frustrações do ENEM é justamente essa: o sistema de ensino que, deveria se adaptar à prova, não mudou. Quando antes, nós viámos alunos sendo treinados pra responder questões puramente conceituais, agora, o que vemos, são alunos sendo treinados para responder questões contextualizadas. Qual o resultado disso: diversos cursinhos treinando alunos a se adaptarem ao formato do ENEM, forncendo uma avalanche de questões de vários anos (ENEM 2000, ENEM 2003, ENEM 2004, ENEM 2006 etc, etc e etc...) e fazendo com que os mesmos respondam de forma mecânica para aprenderem a "interpretar questões que usam muito texto" como se 1 ano de cursinho "pré-ENEM" fosse suficiente para resolver uma deficiência da Educação Básica.

E qual seria a solução para este problema? bem... não posso crucificar os donos e professorse dos cursinhos "pré-ENEM", afinal, muitas vezes, somos obrigados a "dançar conforme a música". O sistema nos obriga a trabalhar dessa maneira... então, "se não podemos vencê-los, nos juntamos a eles". Logo, o sistema tem que mudar. E como o sistema muda? ora... eu diria que o sistema não muda porque nós somos imediatistas e queremos corrigir um erro que vem desde a Educação Básica com uma prova no fim do Ensino Médio. O que deveria ser feito é começar a educar as crianças dentro desse novo aspecto: relacionando os conceitos científicos com problemáticas sociais e fenômenos naturais. Para um Químico, o campo de atuação é o laboratório. Para um aluno na escola, o campo de atuação é a vida. Logo, devemos ensinar uma Química que seja útil para a vida do aluno, desde as séries inicias (com a matéria de Ciências).

Obviamente, isso não é uma tarefa fácil. É uma mudança lenta... a longo prazo e, além disso, temos um outro problema: a formação docente. Poderemos perguntar: será que o professor que sai hoje da licenciatura está pronto para ensinar segundo os moldes do novo ENEM? será que, quando eu me formei, também estava pronto para isso? Existem lacunas na formação inicial nas universidades brasileiras... e eu pergunto, mais uma vez: um professor pode exigir do aluno aquilo que ele não sabe? bem... o sistema diz que SIM. Logo, abramos nossas apostilas, na página 23, e vamos responder as questões do ENEM de 2007.

Abraços

6 comentários:

  1. Bom sempre que penso nesta questão entendo que não é a questão do professor preparar para o ENEM, mas ele estar preparado para ensinar a sua área de conhecimento, estando integrado a outras áreas.
    Prof. Msc. Ehrick Melzer
    MARTINS MELZER - Criações Didáticas
    www.martinsmelzer.com.br
    www.paradigmasrevolucoes.blogspot.com

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  2. Para aprenderem os tais 'bizus' os alunos tinham que entender conceitos fundamentais, que excelentes professores de cursinhos explicavam durante as aulas.
    A ideia de ensinar química com conceitos cotidianos para o aluno do ensino básico seria ideal, se a formas específicas de como fazer isso estivessem disponíveis. Ninguém projeta um avião, cria um novo fármaco, melhora um processador apenas com 'generalidades'.
    A pior alternativa é a que se vê na maioria das escolas públicas: Não se usa o conhecimento tecnicista pois é tradicional e anátema para os pedagogos, os conteúdos foram banidos pois segundo os mesmos são da escola conteudista, sobrou a a tal estória de ensinar 'conceitos cotidianos para divertir milhões de alunos' que mais tarde serão divertidos desempregados especialistas em coisa nenhuma, vítimas ideais de traficantes e do crime organizado!
    Se você não sabe ou não pode fazer um prato muito elaborado, não abra mão do feijão com arroz que alimentou seus pais e você próprio. Não cuspa no prato que comeu!

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  3. Olá, Fernando.

    Obrigado pela sua contribuição no debate.

    Bem.. eu, você e muitos bons profissionais são frutos de um ensino tradicional e conteudista. Se esse ensino formou tantos bons profissionais, então, por que a crítica da comunidade científica na área de Educação?

    O ensino tradicional contempla uma minoria de alunos... se observarmos bem, poucos estudantes se destacam nesse método de ensino. Por que será? o restante dos alunos não tem capacidade? não estudam o suficiente? são mais preguiçosos?

    Obviamente, acontecem casos de alunos que não estudam ou apresentam mais dificuldades de aprendizagem do que outros. Porém, é fato que um aluno educado segundo um ensino tradicional não está preparado para usar os conceitos, aparentemente aprendidos, em situações realmente relevantes.

    É triste ver alunos "aprendendo" química sem saber para que aquele conhecimento serve. Não saber usar os conceitos químicos para explicar fenômenos simples, como o funcionamento de uma panela de pressão, ou fenômenos mais complexos, como o funcionamento de uma usina nuclear. Acaba que este conhecimento fica perdido, usado apenas de maneira pontual (como no ENEM, por exemplo) e depois abandonado. Faça uma enquete e pergunte, 1 mês depois da prova do ENEM, o que cada aluno se lembra do que estudou em química. Pode ter certeza que mais de 90% dos conteúdos vão ser esquecidos.. sabe por que? porque eles não viram sentido naquilo... serviu apenas para fazer a prova e basta. Isso é aprender? na minha mera e insignificante opinião, NÃO. Mas isso significa que o ensino conteudista e tradicional não serve para nada? claro que não... nós, frutos desse ensino, não estamos aqui? uma estratégia do ensino tradicional que é bastante válida, por exemplo, é a aula expositiva que, muitas vezes, é necessária. Não cuspo no prato que comi... mas o lavo bem, tirando toda sujeira que não servia para nada, para poder comer nele novamente.

    Na área de Ensino de Química, ninguém defende o ensino de generalidades. Mas sim, um grande aprofundamento no conteúdo específico. Ensinamos química? sim... logo, queremos que nosso aluno aprenda química. Mas o que é aprender química? é saber deduzir a lei geral dos gases e diferenciar um óxido básico de um ácido? Não.. não é SOMENTE isso.. além disso, ele deve, com esse conceito, saber explicar o fenômeno do aquecimento global, por exemplo, ou a formação de uma chuva ácida. Dessa forma, esse conhecimento não será perdido ou isolado... neutro... mas terá uma função até social, visto que o estudante pode usá-lo para propor melhorias no mundo em que vive.

    Aprender química é somente saber as propriedades dos metais? na minha insignificante opinião, NÃO! é, além de saber as propriedades dos metais, é conhecer o dano que os mesmos podem causar na Natureza pelo descarte indevido de materiais metálicos no Meio Ambiente.

    Sim... concordo que os professores de cursinhos são excelentes.. eu tive vários.. mas todos nós, inclusive eles, podemos melhorar nossa prática docente cada dia mais.

    Obrigado por sua opinião e continue visitando nosso blog!

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  4. Acho que há uma certa confusão nessa história toda. Ocorre que o ensino tradicional - aquele que eu entendo como sendo a forma de ensino onde o professor é o ponto central, o professor detém os conhecimentos e transmite aos seus alunos - acabou se confundindo com um tipo de ensino meramente de memorização e de macetes. Isso não foi a toa, é fato que muitos professores tradicionais, porém sem domínio dos conteúdos que deveriam ensinar acabavam por adotar essa estratégia de "decorebas", que realmente não prepara o aluno pra entender o mundo à sua volta e utilizar os conhecimentos da Química (ou de qualquer outra área) em sua vida. Então o que eu quero dizer é que o problema não é o método tradicional e sim o professor ruim, mal formado. Acredito que é perfeitamente possível um professor dar aula no formato tradicional e contextualizar os conteúdos, fazer os alunos refletirem e levarem para suas vidas os conteúdos de uma disciplina. Na contra mão do ensino tradicional surge a proposta construtivista, que tira um pouco do foco no professor e dá ao aluno um papel mais ativo no processo de aprendizagem. Novamente o que acontece? O professor ruim e mal preparado, se veste com o manto do construtivismo para destruir a importância dos conteúdos (que ele não domina) e se restringe ao ensino de generalidades (como citados nos comentários anteriores). E ainda se gaba por sua estratégia de ensino diferenciada. Em suma, minha tese é que o método tanto faz, desde que o professor domine esse método, domine os conteúdos de sua área e tenha a clareza de que ensinar é mais do que exigir meras memorizações.

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